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Filha de Maria

Silvia Morais, de 59 anos, só tem motivos para agradecer. Dona de olhos azuis e um olhar profundo, cabelos finos e desgrenhados, cuja tinta loira já se mistura com os fios brancos, a mulher de voz rouca entonação baixa admite que não sabe o que seria de sua vida sem Maria. A Maria do Planalto, uma das coordenadoras da Frente de Luta por Moradia (FLM) e organizadora da ocupação na rua Honduras.

 

Mineira de Belo Horizonte, Silvia perdeu os pais ainda na adolescência e passou a ser criada pelos avós. Quando completou a maioridade, mudou-se para São Paulo e começou a trabalhar e morar com os tios, donos de uma pequena fábrica de tecelagem no Brás. As mais de 15 horas por dia na máquina de costura eram recompensadas com o pagamento de R$ 300,00 mensais e um quarto nos fundos da casa dos familiares.

 

O olhar empresarial do tio Reinaldo levou a família Morais de volta para Minas Gerais no fim da década de 1960. Crente que a proximidade com a nova Capital Federal poderia favorecer o fluxo dos negócios, o tio abriu uma fábrica de roupas em Belo Horizonte e, com a venda da casa na Mooca, comprou um belo terreno próximo ao Lago da Pampulha, região postal de Belo Horizonte. Nem Minas, nem São Paulo – Silvia ficou à deriva.

 

Graças a uma amizade que fez nos tempos em que trabalhou para o tio, a menina, de então 24 anos, passou a trabalhar em uma loja de roupas na Praça da Sé. A vida no centro a fez conhecer duas realidades: a do dia e a da noite. O ritmo de trabalho durante o expediente na loja era intenso e, no primeiro mês, dividiu apartamento com a amiga próximo ao Largo do Arouche. No entanto, depois de vê-la casar e se mudar, Silvia não conseguiu manter o aluguel e se viu novamente desamparada.

 

Como se numa intervenção divina, justamente no dia em que não sabia onde passaria a noite após o trabalho, Silvia foi convidada a conhecer uma ocupação no Jardim Alto Alegre e foi lá que encontrou Maria do Planalto, uma mulher engajada nas causas sociais e de moradia que a acolheu e a ajudou. “Estou há nove anos no movimento (de ocupação) e entrei aqui só porque cheguei nas mãos da Maria. Eu não tinha condição de pagar nada e isso foi uma salvação na minha vida”, fala como se cochichasse em meu ouvido.

 

“Não fiz família, sou sozinha, e graças a Deus eu vim pra cá. Pra mim, que não tenho onde ficar, é ótimo aqui. É bonito o bairro, aqui pude encontrar minha família, meu lar. É aqui que eu tenho meus amigos. Já passei por muitas ocupações, mas aqui com certeza é o melhor lugar que eu já fiquei. Resolvi me integrar ao movimento de vez, é uma luta que é nossa, um direito que é nosso. Não fazemos mal a ninguém, e ainda cuidamos desse lugar aqui”, defende-se.

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